Durante o meu ensino médio, fiz um amigo. Vamos chamá-lo de Wagner. Nós nos tornamos próximos rapidamente, sempre nos dávamos bem, até que percebi que ele tinha sentimentos por mim. Descobri isso porque uma amiga me contou que ele planejava me pedir em namoro na minha festa de 15 anos.
Depois dessa descoberta, acabei me afastando, mas a convivência nos trouxe de volta à amizade. Eu tentava, ao máximo, deixar claro meus sentimentos e, na minha cabeça, ele já tinha entendido que eu o via apenas como um amigo. Até que coisas estranhas começaram a acontecer.
Foi tudo tão sutil... Um abraço mais apertado, um carinho não solicitado, uma brincadeira "inofensiva"... Até que, de repente, me vi em uma situação onde, diariamente, era apalpada e assediada.
Eu não sabia como lidar com aquilo. Na época, já sofria muito com brigas em casa e evitava ao máximo replicar esse tipo de comportamento. Além disso, cresci ouvindo que devemos valorizar as amizades. Se eu trouxesse à tona o que estava acontecendo, provavelmente nossa amizade acabaria. E toda essa culpa me fazia pensar que eu não queria perdê-lo.
Eu avaliava a situação, pensava em como ele era meu amigo. Sempre tive muita dificuldade com matérias de exatas, já Wagner era o oposto. Ele me ajudava com os estudos e, por isso, eu sentia que lhe devia algo. Hoje, anos depois, percebo como essa sensação era equivocada. Sempre tive amizades que me ajudaram, mas, ao contrário de Wagner, nunca me fizeram sentir que eu devia algo em troca.
Lembro de uma amiga do ensino fundamental e médio que, com paciência, praticamente me alfabetizou em matemática. Mesmo quando eu errava perguntas simples, ela explicava até eu entender. No máximo, ela brincava que eu lhe devia uma coxinha da cantina. Ela nunca ultrapassou limites. Nunca me tocou de uma forma que me deixasse desconfortável. E, ironicamente, ela também gostava de mulheres – assim como Wagner.
Eu sei que pode ser revoltante ler uma história assim e perceber que eu não fiz nada para mudar essa situação. De certa forma, sinto que também fui responsável por permitir que isso continuasse por tanto tempo. Segurar isso dentro de mim por anos me fez refletir sobre os motivos pelos quais escolhi não agir. Além do medo do confronto e da perda de uma amizade (que, diga-se de passagem, nem era das melhores), vejo que eu tinha medo de admitir.
Medo de encarar que isso estava acontecendo comigo. Logo eu, que sempre me vi como "a feminista", "a advogada das mulheres". Se essa situação fosse com qualquer outra pessoa, eu teria feito um enorme escândalo. Mas não era com outra pessoa. Era comigo.
Foi só no terceiro ano do ensino médio que toquei no assunto com minhas amigas, pois professores e alunos insistiam em forçar algo entre nós. Um dia, precisei de ajuda com o computador e pedi para que elas estivessem comigo no mesmo ambiente enquanto Wagner me ajudava. Elas se recusaram, fazendo brincadeiras sobre nós dois sozinhos. Foi nesse momento que explodi:
"Eu tenho medo de ficar sozinha com ele. Eu tenho medo do que possa acontecer. Vocês não percebem o jeito que ele me trata? O jeito que ele toca em mim?"
Também lembro de uma única vez em que tentei me impor. Durante um jogo de queimada na escola, ele me agarrava por trás e, revoltada, tentei dar um soco nele. Mas ele levantou o joelho, e acabei quebrando o dedo no impacto. Na época, eu namorava outro garoto e, mesmo sentindo uma dor incessante, me preocupei com como explicaria a situação para ele. O que ele pensaria? Será que acharia que eu tentei encostar em outro homem de propósito – mesmo que fosse para me defender?
O motivo deste relato
Tenho um objetivo muito claro ao compartilhar essa história. Quero que vocês percebam que isso durou três anos porque eu permiti. Porque não me impus o suficiente. Porque relevei meus sentimentos. Porque tive pena dele... quando, na verdade, deveria ter tido pena de mim.
Ao invés de me respeitar, ao invés de me impor, eu me abandonei. Wagner não foi o único que me machucou. Eu me machuquei também. Eu permiti que me ferissem.
A culpa não foi minha. Mas a responsabilidade por me defender, por lutar pela minha própria segurança, sempre foi.
Fazem sete anos que isso aconteceu, e até hoje tenho pesadelos com ele, pelo menos uma vez por mês. E sei que isso acontece porque eu nunca encerrei essa história. Nunca enfrentei. Nunca tive coragem de colocar um ponto final. Deixei que o ensino médio acabasse e nos afastasse naturalmente. Achei que estava fazendo o melhor para mim, mas, na verdade, não estava.
Ainda lembro dele nos meus piores pesadelos. Mas, hoje, essa lembrança serve para me fortalecer. Para me lembrar de nunca mais permitir que isso aconteça. De me impor. De não deixar barato.
Demorei anos para contar isso às minhas amigas. Mais tempo ainda para admitir para minha psicóloga. Evitei esse assunto não só por vergonha da situação, mas por vergonha da minha atitude diante dela.
Espero que este relato ajude alguém a encontrar coragem. A encontrar força para lutar por si. A entender que ninguém vai te salvar. Somente você pode ser seu próprio herói e se retirar de situações degradantes.